quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Para começar...

Uma tentativa de pensar a experiência com a música passa pelo que na origem dessa experiência permanece impensado e que manifesta o inaugural incapaz de ser medido e calculado através de um registro plenamente identificável e representável. O inaugural da origem dificilmente se deixa representar, resiste ser apropriado por um sistema de redução lógica e racional. O pensar a origem é sempre um pensar memorável. Na e pela memória das origens dá-se o pensar do que é digno de ser pensado. “A memória do poetar pensante e do pensar poético é a memória original das origens originantes”.[i] Por isso, a experiência originária com a música não pode se dar simplesmente nos moldes do que um sujeito da razão faz com um objeto do conhecimento. Toda experiência com o inaugural, isto é, com a origem que não cessa de originar é fundamentalmente diferente da aquisição e do acúmulo de conhecimentos a respeito de um objeto. Na unidade de música e homem ambos se convocam mutuamente numa co-respondência recíproca.

Apesar da separação dessa unidade implicar na destituição da experiência conjunta, estas e tantas outras instâncias de comum-unidade de sentido se desarticulam desde a prototípica separação do inteligível e do sensível, imposta pelo predomínio de uma experiência, puramente intelectiva, sobre outra, denominada sensível. Analogamente, formula-se a separação de homem e mundo, o predomínio daquele sobre este e o desdobrar-se e estender-se desse predomínio como estrutura válida e de validação para toda e qualquer realidade na relação modelar sujeito-objeto. Nessa relação, o modo de manifestação de sentido se baseia no sistema de representação. O real não mais deve ser inter-pretado, mas sim medido e calculado, sendo dis-posto numa e por uma representação do intelecto assegurando-o como algo sempre dis-ponível.[ii]



[i] Ronaldes de Melo e Souza, A criatividade da memória. Ensaio publicado em Prismas: historicidade e memória / Francisco Venceslau dos Santos (org.). Rio de Janeiro: Centro de Observação do Contemporâneo / Caetés, 2001/2, p. 31.

[ii] Cf. Martin Heidegger, Ensaios e conferências. Tradução de E. C. Leão, G. Vogel e M. S. C. Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 39-60.

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