domingo, 23 de setembro de 2007

Música e funcionalidade I

Qual a função da música? Entreter? Divertir? Mobilizar? Desenvolver esta ou aquela habilidade intelectual ou motora? Servir de fundo (musical)? Expressar idéias ou sentimentos? Ocupar o vazio do silêncio? São muitas as tentativas de respostas à questão da funcionalidade da música. Não são poucos os esforços em articular outras áreas do conhecimento que se dedicam a essa explicação: sociologia, economia, psicologia, história, antropologia, filosofia e estética, comunicação, terapêuticas diversas, etc., etc. e tal... E conforme o tempo passa, surgem aqui e acolá novas e inéditas interpretações a respeito da função da música.

Lembro de uma ocasião há anos atrás em que fiquei extremamente irritado com uma discussão a respeito desse assunto durante o meu mestrado. A irritação provinha do inconformismo de que a música só pudesse ter valor se fosse justificada por sua função e, conseqüentemente, por um valor atribuído desde uma instância exterior à ela mesma, desde uma dessas áreas de conhecimento "mais aparelhadas e mais competentes" técnica e cientificamente. Afinal de contas, por que aquilo que considerávamos (e, pelo menos, eu ainda considero) como o que dá sentido ao nosso ser e modo de realizar-se (pelo menos o dos músicos) precisa de uma referência externa de validação? Por que, em se tratando de arte, há tanta necessidade de se determinar os princípios científicos de seu funcionamento? Por que os princípios artísticos nunca nos parecem ser suficientes?

Inicialmente, encontro uma possibilidade de interpretação desse tipo de situação a partir de um texto do Professor Emmanuel Carneiro Leão: "A nossa era é científica em sua essencialização. Vivemos a idade da ciência porque é a ciência que determina o ser e a verdade do real. (...) A ciência é hoje a forma que informa toda a nossa compreensão e avaliação da realidade, independente e qualquer que seja nossa atitude frente a esse ou àquele resultado científico. Quer atribuamos à ciência um valor humano, quer lho neguemos, quer vejamos nela apenas algo indiferente para os valores, a ciência determina sempre o sentido do ser que somos e do ser que não somos. Decide a concepção de verdade em que vivemos, nos movemos e existimos.”[1] Desse modo, nossa visão da música e da arte não se encontra distanciada dessa realidade do atual momento do ocidente. Ao contrário, a visão científica do real encontra-se disseminada desde os primeiros anos escolares até e principalmente às Pós-Graduações. É muito tempo para in-formar uma determinada concepção não só do real, mas da verdade (que será objeto de outro post).

Assim, desde uma concepção cientificamente in-formada do real levada a cabo pela educação, cujo valor do que é ou do que não é se decide de antemão pelo cálculo, a funcionalidade cumpre o papel de assegurar que o real se comporte desta ou daquela maneira. Portanto, nada mais plausível do que estabelecer a funcionalidade como o parâmetro supremo de validação de toda e qualquer realidade em plena con-formidade com o princípio científico de aferição do real a que todos nós somos desde muito cedo in-formados.

Mas, será que a realização musical (ou artística) pode ser circunscrita a uma funcionalidade pré-estabelecida? Será que em se tratando de música (e arte) a funcionalidade pode realmente prever e pre-determinar os modos próprios e característicos de sua realização?


[1] Leão, Emmanuel Carneiro. Filosofia na idade da ciência.In: Aprendendo a pensar, Vol. I, p. 11-2. Petrópolis: Vozes, 1977.

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