Não somos nós que pensamos as questões. São as questões que nos pensam, até para que possamos pensá-las. O que são as questões? Elas são o manancial originário de onde brota o pensamento. Um problema é passível ou não de solução: dois e dois são quatro. Uma questão é diferente de um problema, e jamais tem solução. O que são a vida e a morte? O que é o tempo que as conjuga? Aqui não há respostas definidas. Há infinitos e inexauríveis percursos. Há convite à travessia. Nós somos doações das questões, elas excedem o homem. A Vida e a Morte vigem no homem enquanto ele vive e morre como doação do Tempo. Por isso, pensar é corresponder às questões que nos erigem em nosso próprio ser. Pensar é conduzir o questionamento para o lugar em que desde sempre estamos, somos, e dentro do qual nos realizamos.
O homem, de qualquer época e lugar, está sempre e necessariamente implicado em múltiplas relações com as coisas. A coisa é res, o real. A coisa, como nos diz a conexão etimológica dos termos, é o que sempre está em causa. Em sua relação originariamente metafísica – a se realizar dentro (metá) do real (phýsis) –, é o próprio real quem dirige ao homem o apelo de desvelamento de sentido. “A única casa artística é a Terra toda / Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma” (Alberto Caeiro). O real jamais está fora do homem: o homem é o próprio real acontecendo e se vendo no homem. Não podemos definí-los: o real é uma questão, o homem é uma questão.
Na modernidade técnico-cientificista, o pensamento entrou em um impasse. O homem arvorou-se em sujeito – aquele que, assumindo uma distância epistemológica da coisa, converteu-a em objeto. A coisa foi objectualizada pela redução do pensamento a uma razão instrumental que só sabe calcular, medir, controlar. Vivemos sob o império da lógica. Instrumentalizado o pensamento, instrumentaliza-se o próprio homem. Sua dignidade é ferida. Nada parece contar além da funcionalidade de um sistema que recobre a terra inteira. Foi o que Hölderlin chamou de tempos de penúria, de fuga dos deuses. A hora é de suspender o sentido, evocando uma nova época, uma nova e originária iluminação poética do sentido do real, por dom do diálogo. O contrário da lógica não é o ilógico, a desrazão. O contrário da lógica é o diálogo. Diálogo é a movimentação dentro (diá-) do lógos, dentro da dinâmica de retração do real que, mostrando-se como fenômeno, retrai o seu sentido, porque jamais podemos definir o que é o real.
O homem é húmus, terra. E ele não é sequer possível sem corpo e sem mundo. Nós não sabemos o que é terra: ela tanto mais se dá como mundo quanto mais se retrai como terra. Não sabemos o que é mundo: na retração da terra, ela concita o homem à instalação de mundo, o sentido do real. Não sabemos o que é corpo: longe de podermos definí-lo como materialidade ou organismo, ele é o lugar em que o embate de terra e mundo incorpora o lógos do diálogo, movimentando o pensamento. Porque “poeticamente o hamem habita esta Terra” (Hölderlin), é sempre no espaço da arte que, em todos os seus empenhos e desempenhos, as questões se entrelaçam.
Organizado pelo Prof. Manuel Antônio de Castro, titular de Poética da UFRJ, este livro reúne ensaios cujo penmsamento se deixa provocar sempre pelas mesmas questões: corpo, mundo, terra, que são o lugar e o âmbito em que a arte acontece. O leitor, no vigor do diálogo em torno das questões que o constituem em seu próprio ser, desveladas sob diferentes enfoques, será convidado a realizar a travessia rumo ao que lhe é próprio, fazendo-se poeta da livre apropriação de seu destino e sentido.
Antônio Máximo Ferraz